terça-feira, 10 de maio de 2011

SEU NOME CONTINUA SENDO GAL



Gal Costa,  a baianinha tímida do início da carreira, cuja voz, de afinação de metrônomo, era “à la” João Gilberto, alçou voo, mais tarde, em direção a agudos incríveis. Ao atingir as alturas, chegou à estridência. Brindou-nos, então, com momentos de puro deleite. Que prazer ouvir aqueles agudos lisos em canções como Olhos do coração, Nada mais, Índia (esta em seus dois primeiros registros) e Meu nome é Gal. Nesta, o duelo com a guitarra (na segunda gravação, de 1979) é lindo. Um presentão de Roberto e Erasmo: “Meu nome é Gal / E preciso me corresponder com um rapaz / Que seja o tal / Meu nome é Gal (...)”. Que voz! Basta ouvir, por exemplo, Cordas de aço, do mestre Cartola, e constatar, embevecido, o tom exatinho em cada nota: “Ah, essas cordas de aço / Esse minúsculo braço / Do violão que os dedos meus acariciam / Ah, esse bojo perfeito / Que trago junto ao meu peito (...)”. A gravação de Língua (“O que quer, o que pode essa língua?), o “samba-rap invertebrado e sem melodia cantável", como já disseram, do mano Caetano é outro momento primoroso da discografia de Gal. Quer mais? Ouça Fala, Mangueira / Mangueira, medley que reúne duas canções e está em No Tom da Mangueira. A voz está “lá em cima”. Linda a gravação. Noites cariocas, de Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho, que está em Gal Tropical, de 1979, é outro momento requintado da discografia de Gal: “Sei que ao meu coração / Só lhe resta escolher / Os caminhos que a dor / Sutilmente traçou para lhe aprisionar (...)”. Caras e bocas, canção que dá nome a seu disco de 1977, é uma homenagem de Bethânia, que fez a letra, e de Caetano à amiga: “Mas se dessa garganta / Das cordas escondidas / Desse peito sufocado / Desse coração atrapalhado / Surge uma nota brilhante / De cristal transparente / Minha cara invade a cena / Rasga a vida / Mostra o brilho agudo musical”. Belíssima homenagem! Quem não se lembra de seu canto indignado na abertura de Vale Tudo, novela de Gilberto Braga? Era 1988. Os versos de Brasil, de Cazuza (em parceria com Nilo Romero e George Israel), eram catárticos para todos os brasileiros: “Brasil, mostra tua cara / Quero ver quem paga / Pra gente ficar assim...”. E Gal simplesmente a-r-r-a-s-o-u! Com essa mesma canção, ela arrasou novamente quando participou do especial O tempo não pára, de Cazuza: de saia estampada e cabeleira farta, não deixou ninguém indiferente. Gritou, para todo o mundo ouvir, os bombásticos versos de Caju, nosso talentoso-menino-poeta. Não posso esquecer outras pérolas na voz de Gal: Nega manhosa (Herivelto Martins) e Samba rubro-negro (Wilson Batista e Jorge Castro), do repertório do show Índia, de 1973, fundidas em uma faixa (do LP  "Palco: corpo e alma"), e Saia do caminho (Custódio Mesquita e Oswaldo Ruy), do mesmo show de 1973, que está em um compacto simples de 1974. As duas faixas são sensacionais. São ótimos exemplos da exatidão, da delicadeza, da perfeição do canto de Gal. Simplesmente isso. Logo que ela surgiu, impressionou-me muito a figura da mulher com o violão. Gal foi muito moderna (leia-se transgressora) para seu tempo. Foi muitas em diversas fases de sua carreira. Sem qualquer sombra de medo, arriscou sempre. Por mais lugar-comum que seja, Gal “abriu as portas” para muitas que vieram depois. Foi influência para muitas cantoras modernas. Quem não se lembra do show Fatal? Impossível esquecer. Esse show é um marco da transgressão. Se mais não fosse, valeria pela gravação de Assum preto (Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira): “Tudo em vorta é só tristeza / Céu azul e a mata em flor (...)”. Simplesmente arrepiante. Gal é imprescindível à MPB. Gal é uma das maiores representantes da MPB de todos os tempos. 


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