segunda-feira, 2 de maio de 2011

GOGÓ DE OURO


Ithamara Koorax é uma intérprete altamente sofisticada. Ela é simplesmente idolatrada por quem sabe o que é “cantar extraordinariamente bem”. Foi eleita (não só uma vez) pela Down Beat, a “bíblia do jazz”, uma das melhores cantoras do mundo. É pouco? Para mim – e para muita gente – ela é a melhor. A voz é mais do que excepcional: atinge notas altíssimas e tem o poder de nos deixar arrepiados. Quando – no programa Mulher 90, apresentado pela Rede Globo - ouvi-a cantando Se eu quiser falar com Deus (Gilberto Gil) [Se eu quiser falar com Deus / Tenho que ficar a sós / Tenho que subir aos céus / Sem cordas pra segurar (...)], não me contive: chorei de emoção. Indescritível a sensação de ouvir Ithamara. Ao ouvi-la, é impossível não lembrar estes versos de “Quando eu estiver cantando” (Cazuza / João Rebouças): “(...) Tem gente que recebe Deus quando canta / Tem gente que canta procurando Deus (...)”. Essa moça, quando canta, percorre regiões que raríssimos intérpretes ousam percorrer. Músicos do calibre de Sadao Watanabe, Eumir Deodato, Paulo Malaguti, Ron Carter, Dom Um Romão, Gonzalo Rubalcaba, José Roberto Bertrami e muitos outros tocam, ou já tocaram, com ela. É respeitadíssima entre eles. Sua gravação de Manhã de carvanal, de Luiz Bonfá, tema principal de Orfeu Negro, é o registro mais bonito dessa canção que já ouvi até hoje: “Manhã, tão bonita manhã (...)”. O primeiro de seus discos que conheci foi Rio vermelho, nome de uma canção pouco conhecida de Milton Nascimento, Danilo Caymmi e Ronaldo Bastos. Lendo Os sonhos não envelhecem – histórias do Clube da Esquina, de Márcio Borges, irmão do Lô, constatei que a letra dessa canção também é um daqueles petardos contra o período ditatorial aqui no Brasil: “Vim / Eu vim / Cercado de bandeiras, correnteza / O campo cortava / Quem vem comigo é coragem / E certeza de rumo pra seguir / Vim cercado / Sonhei o tempo clareando / E me sentia um rio ferido de morte / Ainda à espera do mar para morrer (...)”. A interpretação é de um vigor ímpar. Sua voz se abre para o mundo. A força da voz de Ithamara está mais do que explícita nessa canção de cores tão fortes. Nesse mesmo Rio vermelho, não há como não ficar estupefato com a regravação de Sonho de um sonho, samba-enredo da Vila Isabel em 1980, de Martinho da Vila, Rodolfo de Souza e Tião Graúna, em homenagem ao poeta Drummond: “Sonhei / Que estava sonhando um sonho sonhado / O sonho de um sonho / Magnetizado / As mentes abertas / Sem bicos calados / Juventude alerta / Os seres alados (...)”. Ithamara virou a canção do avesso. Soltou a voz, como dizem. Quando a ouço, presto atenção em todos os detalhes, em todas as notas, em todos os silêncios, em todas as intenções. Sua interpretação de Índia [“Índia teus cabelos / Nos ombros caídos / Negros como a noite que não tem luar / Teus lábios de rosa / Para mim sorrindo (....)] (J. A. Flores / M. O. Guerreiro – versão: José Fortuna), por exemplo, é um primor. Ithamara é tecnicamente perfeita, mas, assim como Elis, não perde – um minuto sequer – a emoção. Em Serenade in blue, pude perceber claramente a beleza de Dio come ti amo, de Domenico Modugno, um dos grandes clássicos da canção italiana: “(...) Dio come ti amo non é possibile / Avere fra le braccia tanta felicitá (...)”. Ithamara fez uma gravação arrepiante dessa canção. Que voz! Elizeth Cardoso, sua madrinha artística, chamava-a de “gogó de ouro”, o que é perfeito para uma voz sem igual. Ithamara é a maior cantora do mundo.

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