quinta-feira, 5 de maio de 2011

PARECE INSTRUMENTO



Tetê Espíndola tem uma voz que não é deste mundo. Foi no MPB Shel 81, cantando Londrina (Uma valsa para Londrina), de Arrigo Barnabé, que a ouvi pela primeira vez, se não me falha a memória. Fiquei impressionado. Depois, em 85, ela ganhou o Festival dos Festivais. Foi um desbunde sua entrada na final: vestida com um macacão de meia-arrastão, a mignon Tetê, recebida com muitos balões coloridos, parecia um gigante. Todos cantaram junto com ela Escrito nas estrelas (Arnaldo Black / Carlos Rennó) : “Você pra mim foi o sol / De uma noite sem fim / Que acendeu o que sou / E renasceu tudo em mim (...)”. Ninguém esquece. Sucesso total. No entanto, enganou-se quem pensou que ela pegaria a onda do sucesso fácil. Seguiu à margem de um mercado perverso que, certamente, queria aprisioná-la. Transgrediu. Não vestiu o modelito da última estação, como queriam as gravadoras. Seguiu lançando discos que primaram pelo rigor na escolha do repertório. Lançou um que considero uma obra-prima: Vozvoixvoice, que tem até o som (a voz de Tetê) das baleias no cio, além de vários outros, como o dos golfinhos, por exemplo. Tetê é uma junção de todos os sons possíveis, impossíveis e inimagináveis. Entre seus melhores registros, está Esquinas, do Djavan: “Só eu sei / As esquinas por que passei (...)”. Os agudos estão a toda prova. Também sou apaixonado por seu dueto com Arrigo Barnabé em Judiaria, de Lupicínio Rodrigues: “Agora você vai ouvir / Aquilo que merece / As coisas ficam muito boas / Quando a gente esquece (...)” Ficou teatral a gravação. Um espetáculo. Em homenagem a Dalva, ela regravou Que será, o clássico de Marino Pinto, também gravado por Ângela Maria: “Que será / Da minha vida / Sem o teu amor / Da minha boca / Sem os beijos teus / Da minha alma / Sem o teu calor / Que será / Da luz difusa / Do abajur lilás / Se nunca mais / Viera iluminar / Outras noites iguais (...)”. Linda! Uma Tetê impagável também está presente na gravação (vol. 1, “songbook” de Chico Buarque) de O meu amor, do musical “Ópera do malandro”: “O meu amor / Tem um jeito manso que é só seu (...)”. Antológica a gravação, assim como o são as anteriores: Elba / Marieta Severo e Bethânia / Alcione. Ouço várias vezes a voz de Tetê para acreditar que se trata de uma voz humana. Mas que parece um instrumento, parece. E daqueles instrumentos raríssimos, que devem ser guardados em cofres altamente seguros.

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