terça-feira, 10 de maio de 2011

A MATRIARCA: DALVA



Em 70, as rádios (que poder tinha o rádio!) não se cansavam de Dalva de Oliveira, a eterna Estrela Dalva. Sua Bandeira Branca, de Max Nunes e Laércio Alves, fazia o maior sucesso: “Bandeira branca, amor / Não posso mais / Pela saudade que me invade / Eu peço paz (...)”. Dalva, por sinal, era a cantora preferida de Villa-Lobos. Que luxo! Quando, em suas aulas, o grande maestro queria mostrar exemplo de agudos perfeitos, levava os discos da Dalva. E que agudos! A escola de Dalva também é a italiana, a do “belo canto”. Sua voz também encantou Bidu Sayão. Querem mais: Angela Maria começou sua carreira inspirando-se em Dalva. Se esta foi, de certa forma, a matriz de Angela, também o foi, por extensão, de Elis, que confessou ter imitado “descaradamente” Angela no começo de carreira. Dalva também é uma das paixões de Bethânia, que, em seu repertório, sempre inclui canções que foram “da” mestra: A Bahia te espera, Mentira de amor, Há um Deus e tantas outras. Segundo a própria Bethânia, Dalva, ao lado de Billie Holiday, é a grande intérprete feminina no mundo. Nossa! É muita admiração! É muito respeito. E Gal também homenageou Dalva. Em “Água viva” (1978), ao regravar Olhos verdes (Vicente Paiva) [“Vem de uma remota batucada / Uma cadência bem marcada / Que uma baiana tem no andar (...)], o “la-ra-ri-ri-ri-ri” ao fim da canção deixa explícita a homenagem. A própria Gal disse isso no programa Rodaviva. Muitos afirmam que Dalva é a grande matriarca, a mãe de todas as cantoras brasileiras.  Quem não se lembra de Dalva quando ouve Ave Maria no morro? Vários intérpretes registraram essa canção, mas ninguém a cantou melhor que Dalva: “Barracão de zinco / Sem telhado, sem pintura / Lá no morro / Barracão é bangalô (...)”.  Dalva foi transgressora porque se expôs, em “carne viva”, no palco e no disco, como Maysa. Era emoção à flor da pele. Fim de comédia, de Ataulfo Alves, é outro de seus grandes sucessos e que figura entre minhas preferidas: “Esse amor quase tragédia / Que me fez um grande mal / Felizmente essa comédia / Vai chegando ao seu final (...)”. Certa vez, Marília Gabriela, em seu Cara a Cara, disse, citando outra pessoa, que o que fazia a voz da Dalva ser tão especial era um choro que ela trazia. E acho que é isso mesmo. Dalva tinha um choro, que é único, na voz. Quer conferir? Ouça, por exemplo, sua gravação de A noite do meu bem, da também eterna Dolores Duran: “Hoje eu quero a rosa mais linda que houver / ‘Quero’ a primeira estrela que vier / Para enfeitar a noite do meu bem / (...) / Ai, como esse bem demorou a chegar! / Eu já nem sei se terei no olhar / Toda a ternura que eu quero lhe dar”. No verso “Ai, como esse bem demorou a chegar!”, esse ‘ai’ vem carregado de uma dor insuportável. Não há quem não sinta isso. “Zum-zum” (Fernando Lobo / Paulo Soledade) é uma das canções que mais sucesso fizeram no carnaval de 1951: “Oi zum, zum, zum, zum / zum, zum, zum / Tá faltando um / Bateu asas foi embora / Não apareceu / Nós vamos sair sem ele / Foi a ordem que ele deu (...)”.  Trata-se de uma homenagem ao comandante da Panair Carlos Eduardo de Oliveira, falecido em um acidente de avião. Em 2010, a extraordinária Ithamara Koorax, afilhada artística de Elizeth Cardoso, trouxe de volta essa obra-prima do repertório de Dalva. “Estrela do mar” (Marino Pinto / Paulo Soledade) é uma das canções de que mais gosto do repertório de nosso “rouxinol”: “Um pequenino grão de areia / Que era um pobre sonhador / Olhando o céu viu uma estrela / Imaginou coisas de amor (...)”. Não há quem escute essa canção e não se lembre imediatamente do nome de quem a consagrou. Um dos grandes méritos de Dalva é, sem dúvidas, entender o sentido básico das canções. Isso é ser intérprete. É coautoria e pronto! Dalva é eterna.


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