segunda-feira, 2 de maio de 2011

FEITO ARUEIRA


Pouca gente sabe, mas Maria Odette ajudou, de certa forma, a projetar Caetano Veloso: nos bons tempos dos festivais, ela defendeu Boa palavra e Um dia, ambas do “jovem compositor baiano”, como diria Belchior. Maria Odette tem uma voz privilegiada: arrasa na emissão forte, é afinadíssima e canta como poucas. Em 1997, foi lançado um disco excepcional dessa grande dama. Em minhas “andanças” por lojas de CDs à caça de raridades, dei “de cara” com o tal CD. Foi em BH. Imediatamente, lembrei-me dos festivais e do nome marcante de Maria Odette. Até então, eu só conhecia sua voz por meio de flashes daqueles festivais da década de 60. A primeira faixa desse CD raro já é um arraso: Esquadros, de Calcanhoto: “Eu ando pelo mundo prestando atenção / Em cores que eu não sei o nome (...)”. É “outra” música, mas tão linda quanto as versões de Gal e da própria Calcanhoto. É uma pena, mas desconfio de que, de lá ‘pra’ cá, ela não mais entrou em estúdio. Problemas de um mercado ordinário, que privilegia o que não tem valor, porque vende aos borbotões. Pois é, uma cantora do porte de Maria Odette ficar sem gravar é uma ofensa, uma agressão ao bom gosto, ao bom senso.  Tens (Calmaria), do Vitor e do Ivan, também já gravada pela Nana Caymmi e pelo próprio Ivan, é minha preferida: “Tens no meu sorriso tua agonia / Tens a festa, tens a dança, tens a cantoria / Tens no meu amor tua teimosia / Tens no meu silêncio tua garantia (...)”. Abandono, do Ivor Lancelott, já gravada por Roberto e Eliana Pittman, recebeu um registro pungente de Maria Odette: “Se voltar não faça espanto / Cuide apenas de você / Dê um jeito nesta casa / Ela é nada sem você (...)”. Nesse mesmo disco, há um pout-pourri em homenagem a Maysa [Ouça (Maysa), Meu mundo caiu (Maysa) e Bom dia, tristeza (V. de Moraes e Adoniran Barbosa)], que é de deixar qualquer um no mínimo encantado. A voz tem brilho, é clara, portentosa. No início da carreira, Maria Odette não deixou que escapasse, por exemplo, Levante, do Vandré, com a qual ela participou do II Festival da Música Popular Brasileira – da TV Record – de 1966: “Canto porque é bom cantar / Digo porque sei dizer / Vim e não vim pra esquecer / Sonho e sonhando sou / Livre pra querer (...)”. Gravou-a de maneira estupenda. É só conferir e extasiar-se. Vai entender esse mercado medíocre que despreza seus melhores artistas. Em nome de quê? Do dinheiro, é claro! Do sucesso barato, fugaz e enganador. No entanto, só o que é bom fica. E Maria Odette permanece feito arueira, madeira dura de tombar. Tomara que ela volte a gravar. O bom gosto agradece.

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