terça-feira, 3 de maio de 2011

A PROFESSORA



Impossível esquecer Zezé Gonzaga, a cantora preferida do maestro Radamés Gnattali e dos músicos da Rádio Nacional. É isso mesmo! Não é para qualquer uma ser ‘a preferida’ de maestros, de músicos. Nessa mesma Rádio Nacional, ela era a cantora mais solicitada quando o assunto eram canções tecnicamente difíceis. Não perdiam tempo: chamavam ‘a professora’ Zezé Gonzaga, apelidada assim por seus colegas de ofício.  Sua técnica apuradíssima e sua sensibilidade deram vida a muitas canções.  Em 2003, já com 77 anos, pelas mãos de Hermínio Bello de Carvalho e depois de 23 anos longe dos estúdios, grava Sou apenas uma senhora que ainda canta, dedicado à dama Elizeth Cardoso. A voz de Zezé continua, parafraseando a canção de Joyce que abre o disco, Faxineira das canções, lavando o coração de quem a escuta. Em Ao Jacob, seus bandolins, álbum duplo gravado em fins de 2002 e lançado no ano seguinte pelas mãos preciosas do Hermínio (novamente ele), Zezé Gonzaga surge em grande estilo: Doce de coco, de Jacob do Bandolim com letra, de 1980, do próprio Hermínio, é um arraso: “Venho implorar pra você repensar em / nós dois / não demolir o que ainda restou pra / depois / Sabes que a língua do povo é/ contumaz traiçoeira (...)”. Zezé, que está extraordinária no clássico choro de Jacob, mostra uma emissão muito requintada. Ela está perfeita. Repare a clareza da pronúncia, a afinação impecável. Ouvindo-a, é impossível não comentar: é professora mesmo. O maestro Radamés tinha razão. A “professora” é daquelas que dominam seu ofício. Sua competência é incontestável. No início da carreira, diziam que Zezé não era “bem aproveitada” pelas gravadoras: queriam-na quase que exclusivamente cantando versões de músicas (de sucesso) estrangeiras. Não querendo vergar-se aos desmandos, afastou-se da música. Mais tarde voltou para gravar só o que a sensibilizava de fato. E o fez como poucas. Transgrediu. Quanta beleza! Quando preparou o Zezé Gonzaga - Entre cordas, que saiu em 2007, Hermínio declarou, no encarte, que sua estrela “não se sentia mais estimulada a gravar”. Daí o disco ser uma reunião de gravações-relíquias de épocas diversas: de 1983 a 2007. Valeu! E Valeu muito! É dele que extraio Serestas 5, de Heitor Villa-Lobos e Manuel Bandeira: “Na solidão da minha vida / Morrerei, querida, do teu desamor / Muito embora me desprezes / Te amarei constante (...)”. Que vontade de ouvir Zezé sempre. As professoras são inesquecíveis.

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