quarta-feira, 25 de maio de 2011

BEM-VINDO, ENVELHECIMENTO!


Amigos:

A passagem do tempo sempre foi, desde a mais tenra idade, um assunto bem instigante para mim.  Lembrei-me, agora, de umas imagens que criei ainda quando eu cursava Letras: quando eu envelhecesse, gostaria de 'me' transformar em um velho 'zen', sentado nas copas das árvores e olhando tudo de cima. Que visão panorâmica, não?! E privilegiadíssima, uma vez que, de lá de cima, eu poderia olhar todos os loucos correndo atrás de dinheiro, matando-se por ninharia, querendo brilho, sucesso e outras bobagens.  Para mim, ficar longe de tudo isso seria o ‘nirvana’ mesmo.

Pois é, há dois anos, lendo VIDA APÓS A VIDA, crônica do Bemvindo Sequeira, essa imagem do velho 'zen' voltou imediatamente. E a crônica é ótima! Minha mãe, por exemplo, não se cansa de relê-la inúmeras vezes. Será que herdei 'dela' essa "preocupação" com a passagem do tempo? É bem provável. O fato mesmo é que o assunto é deveras interessante... para muita gente. Caetano Veloso e Chico Buarque, por exemplo, compuseram duas canções belíssimas sobre o envelhecimento: O homem velho e O velho, respectivamente. Ouço-as sempre. Recentemente, Arnaldo Antunes também arrasou: Envelhecer (Arnaldo Antunes, Marcelo Jeneci e Ortinho).

Divirtam-se! 

 VIDA APÓS A VIDA

Bemvindo Sequeira *

Sempre pensei que ia morrer cedo. A luta armada, a clandestinidade, aventuras, promiscuidade, orgias, riscos… Tudo me levava a crer que não chegaria aos 30 anos. Para quem tem 20 anos, quem tem 30 já é coroa. Tomei um susto quando vi-me vivo e saudável aos 30. Aos 40 percebi a possibilidade real da morte. No dia do meu aniversário quarentão, um jovem ator de 24 anos perguntou como eu me sentia: “Agora? De frente para a morte.” Para minha surpresa foi o jovem quem morreu logo depois.
Aos 50 apaixonei-me pela letra de Aldir Blanc na voz de Paulinho da Viola: “Aos 50 anos, insisto  na juventude…”, isso enquanto percebia meu  ângulo peniano caminhando  para os 90 graus. Mas, antes dos 60, a pílula azul alargou minhas possibilidades e possibilitou-me ver o sexo por ângulos mais estreitos.
Agora estou além dos 60. Aos 40 rezava pela alma dos mortos amigos e parentes. Nome por nome eu pedia ao Senhor. Hoje, são tantos os que caíram, que apenas peço “pelos mortos em geral”. E mais uma vez espanto-me por estar ainda vivo, e consolo-me no Salmo 91.7, que diz: “Mil cairão ao teu lado e dez mil à sua direita, mas você não será atingido.” Mesmo confiando na Palavra, ainda assim caminho embaixo de marquises pra São Pedro não me ver.
Ainda estou vivo, e pra quem pensou que morreria aos 30 descubro que existe vida após a vida. Mas o preço do viver é muito alto para o jovem de hoje: tem que comprar apartamento, arranjar um trampo, ganhar dinheiro, ficar famoso, comer todas, bombar no iutube, malhar, casar, ter filhos, comprar carro, estar bronzeado, conhecer tudo de web e ainda ir ao show da Madonna, entre outras miudezas.
Após os 60, você já está quite com tudo isso e pensa que vai viver em paz. Qual o quê: tem que tomar insulina, antidepressivos, rivotris, controlar a pressão, não comer açúcar, não comer sal, não fumar, não beber, se conseguir comer uma e outra já é uma vitória, tem que caminhar ao menos meia hora por dia, cuidar do joanete, dormir cedo, vender o apartamento, fugir da bolsa, não discutir no trânsito, não se alterar no caixa do supermercado, tolerar os filhos, agradar os netos, ficar calado diante da mediocridade, aceitar o salário de aposentado, ter o testamento em dia e curtir todas as dores ósseas, nervosas e musculares porque se algum dia você acordar sem dor é porque está morto.
Claro que o idoso tem suas vantagens: uma delas é a transparência. Quanto mais velho, mais transparente você se torna. Chega a ficar invisível: ninguém mais lhe percebe, mais um pouco e nem lhe enxergam. Mas pode passar à frente dos jovens nas filas todas, com aquele ar de superior: “Você é jovem e sarado, mas eu tenho prioridade.” E ante qualquer aborrecimento ou dificuldade você ameaça enfartar ou ter um AVC. Funciona sempre, todos logo se tornam gentis e cordatos, e é garantia de muitas meias e lenços como presentes no Natal.
Lidando com a minha “terceira idade” ouço de meu psicanalista, o bom Luiz Alfredo: “Só há dois caminhos: envelhecer… ou o outro, muito pior.” Prefiro envelhecer, aceitando cada minúsculo “sim” que a vida me dá com uma grande  alegria e uma grande vitória.
Hoje, quando encontro vaga num elevador de shopping, quando o banco está vazio, ou quando encontro promoção na farmácia, já considero uma  bênção gigantesca e agradeço a Deus pela graça alcançada.
Após os 60, como no filme de Brad Pitt, regrido na existência, deixo Paulinho e a viola de lado e reencontro Lupiscinio: “Esses moços, pobres moços, ah, se soubessem o que eu sei.” Mas se soubessem não ia adiantar nada: porque a sabedoria é filha do tempo. Como diz o amigo Percinotto, também idoso: “O diabo é sábio porque é velho.”
Pelo andar da carruagem, percebo que já morri muitas vezes nesta vida, e que viverei até fartar-me.
(Fonte: Revista O GLOBO * ano 5 * n 241 * 8 de março de 2009)
* Bemvindo Sequeira é autor, ator e diretor de teatro e TV


ENVELHECER
Arnaldo Antunes, Marcelo Jeneci e Ortinho

A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer
A barba vai descendo e os cabelos vão caindo pra cabeça aparecer
Os filhos vão crescendo e o tempo vai dizendo que agora é pra valer
Os outros vão morrendo e a gente aprendendo a esquecer

Não quero morrer pois quero ver
Como será que deve ser envelhecer
Eu quero é viver pra ver qual é
E dizer venha pra o que vai acontecer

Eu quero que o tape voe
No meio da sala de estar
Eu quero que a panela de pressão pressione
E que a pia comece a pingar
Eu quero que a sirene soe
E me faça levantar do sofá
Eu quero pôr Rita Pavone
No ringtone do meu celular
Eu quero estar no meio do ciclone
Pra poder aproveitar
E quando eu esquecer meu próprio nome
Que me chamem de velho gagá
 O HOMEM VELHO*
Caetano Veloso
1984
À memória de meu pai, a Mick Jagger e a Chico Buarque, que agora
tem 40 anos, mas aos 20 fez uma canção lindíssima sobre o tema

O homem velho deixa vida e morte para trás
Cabeça a prumo, segue rumo e nunca, nunca mais
O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais
O homem velho é o rei dos animais

A solidão agora é sólida, uma pedra ao sol
As linhas do destino nas mãos a mão apagou
Ele já tem a alma saturada de poesia, soul e rock'n'roll
As coisas migram e ele serve de farol

A carne, a arte arte, a tarde cai
No abismo das esquinas
A brisa leve traz o olor fugaz
Do sexo das meninas

Luz fria, seus cabelos têm tristeza de néon
Belezas, dores e alegrias passam sem um som
Eu vejo o homem velho rindo numa curva do caminho
                                                                [de Hebron
E ao seu olhar tudo o que é cor muda de tom

Os filhos, filmes, ditos, livros como um vendaval
Espalham-se no além da ilusão do seu ser pessoal
Mas ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem igual
Já tem coragem de saber que é imortal

*Letra só; sobre as letras / Caetano Veloso; organização Eucanaã Ferraz. - São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

O VELHO*
Chico Buarque
1968

O velho sem conselhos
De joelhos
De partida
Carrega com certeza
Todo o peso
Da sua vida
Então eu lhe pergunto pelo amor
A vida inteira, diz que se guardou
Do carnaval, da brincadeira
Que ele não brincou
Me diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nada
Só a caminhada
Longa, pra nenhum lugar

O velho de partida
Deixa a vida
Sem saudades
Sem dívida, sem saldo
Sem rival
Ou amizade
Então eu lhe pergunto pelo amor
Ele me diz que sempre se escondeu
Não se comprometeu
Nem nunca se entregou
E diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nada
E eu vejo a triste estrada
Onde um dia eu vou parar

O velho vai-se agora
Vai-se embora
Sem bagagem
Não sabe pra que veio
Foi passeio
Foi passagem
Então eu lhe pergunto pelo amor
Ele me é franco
Mostra um verso manco
De um caderno em branco
Que já se fechou
Me diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nao
Foi tudo escrito em vão
E eu lhe peço perdão
Mas não vou lastimar

* Chico Buarque, letra e música: incluindo Gol de Letras de Humberto Werneck e Carta ao Chico de Tom Jobim. - São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

8 comentários:

  1. Bem, não por acaso ontem eu e a Maria Fernanda (sim, ela está aqui, voltou para o Rio) falávamos disso, de nosso envelhecimento. É inegável que as coisas mudam depois dos 40. Mudarão mais (ai, meu Deus!) depois dos 50, e assim por diante. Não tenho mais a energia dos 30, nem a disponibilidade. Ma canso com mais facilidade, mas ao mesmo tempo aprendi a não me desperdiçar com ninharias... não "temos todo o tempo do mundo", como queria o Renato Russo, que aliás já se foi. Obrigada pelo presente, de coração. Beijo.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Pois é, pensar nessa bendita passagem do tempo assusta um pouco, não é, professor? Apesar disso, sou fascinado pela dinâmica que o tempo e a vida possuem. Essa "didática do movimento" e "da surpresa" me dão um frio gostoso na barriga.
    Professor, crônica formidável. E que velho chato!! que quero mais é me comprometer e me entregar, nada de me esconder!
    Abraços,

    Maycon Saiter

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  4. Ontem mesmo estava pensando sobre algumas dessas coisas partilhadas.

    Obrigado por dividir.

    Rondi

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  5. Obrigado pelas visitas sempre tão honrosas para mim, meus amigos.
    Bjs,
    Fábio

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  6. Já posso falar em envelhecimento com autoridade na palavra... é só constatar... lembra daquela foto tirada por vc em Itaúnas? A juventude ficou eternizada ali... "ai que saudades"... "da aurora da minha vida"...
    Abração!

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  7. Fernandinho, lembro-me nitidamente dessa foto em Itúnas. Como eu poderia esquecê-la? Durante encarnações ela foi sua "foto oficial" em todas as redes sociais. Desconfio até de que ela "seja" a foto de seu crachá, "não é não"? Bjs,

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  8. KKKKKKKKKKKKKKK!! E eu? Será que me toranrei a "Murrah" (será que escreve assim?) da turma.
    O fato é a chamada "veice" nos tem tornado melhores. Eu só estou mais fofa, mais renascentista como diria Beatriz - pois quando olho as fotos antigas, irc!! Bem, só Fernandinho que tem este probleminha com o tempo, né? (Rindo muito)
    Beijos para os dois a quem amo muito

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