quinta-feira, 19 de maio de 2011

EPIFANIA



            Sobre “o” concerto de Ithamara Koorax
        Por Fábio Brito

Privilegiadas foram as pessoas que lotaram o teatro do SESI no centro do Rio e assistiram, dia 17 de maio de 2011 (data histórica! Registrem aí...), em êxtase, ao espetáculo Música clássica na voz de Ithamara Koorax – Opus II. Quem não viu perdeu algo que não dá para recuperar e muito menos substituir ou trocar. Trata-se de um espetáculo fora deste mundo. Armação dos deuses mesmo.  
Se não fosse o esquema “de cartas mais do que marcadas” da indústria fonográfica deste país, mais pessoas poderiam ter tido o privilégio de ver esse espetáculo batizado por mim de epifânico, porque revelador do sagrado, do sublime. Infelizmente, ainda não foram oferecidos à massa os tais biscoitos finos, só para citar Oswald de Andrade, de que todos carecemos. A muitos (e muitos mesmo!), ainda não foi dada a chance de escolher a forma pela qual saciar sua fome de cultura. Há muitas pessoas, neste país imenso, que, infelizmente, deixaram de ser educadas por meio da arte e da cultura. Foram, talvez, escolarizadas, mas educadas não.
A grande maioria (que pena!) contenta-se com “biscoitos” produzidos às pressas e de sabor ‘pra’ lá de duvidoso. Nada finos, não é? Escolher? Quem pode? Poucos. Pouquíssimos! Enquanto o mercado tratar música como um produto qualquer e o objetivo primeiro não for, certamente, a arte, a indigência cultural de muitos continuará sendo um mal de difícil tratamento. A massificação é tão intensa, que até pessoas que se julgam imunes a esses vírus que infestam a mídia em geral surpreendem-se assoviando (ou “cantarolando”) “músicas” (?) que jamais pensariam em assoviar em toda sua vida.
No espetáculo de Ithamara, foi possível assistir a uma intérprete excepcional em plena maturidade e total sabedoria interpretativa. De uma ousadia ímpar, ela passeia (é este mesmo o verbo) por um repertório inigualável. Obras de Villa-Lobos, Fauré, Chiquinha Gonzaga, Claus Ogerman, Debussy, Borodin, Rachmaninoff, Chopin, Ravel – só para citar alguns - são revisitadas com uma desenvoltura de que só é capaz uma intérprete genial como Ithamara, que celebra conosco o fato de essas criações serem eternas. No entanto, atenção, incautos! Em se tratando de Ithamara, não associem música clássica a interpretação burocrática. Nada disso! Para uma intérprete que é a melhor do mundo, não há repetição de fórmulas. Sem que as canções perdessem sua integridade, nossa diva foi capaz de explorar possibilidades impensadas por qualquer outro intérprete. Além de buscar a originalidade, ela chega a limites a que ninguém ousaria chegar.
Só mesmo uma artista rara, mítica, dá-se o luxo de tanta ousadia, de tanto atrevimento. Coragem não é para todos, e Ithamara sabe disso, tanto que dá inúmeros saltos mortais e tem plena consciência de que não há rede de proteção à sua espera. A todas as canções, ela se entregou com uma força avassaladora. Foi impossível conter o choro. Com seu instrumento “insuportavelmente” afinado, ela foi capaz de nos emocionar o tempo todo, o que não é fácil. Ela nos arrepiou mesmo, por mais “lugar-comum” que seja usar essa expressão.  À medida que um intérprete vai aprimorando seu canto, ele corre o sério risco da frieza interpretativa. A busca incessante por um apuro técnico pode levar a isso. Ithamara, que é tecnicamente perfeita, não corre esse risco: ela sabe combinar perfeitamente técnica com emoção. 
No concerto, a pureza que saía das notas deixou todos boquiabertos. Na garganta, ela tem mesmo um brilhante de 18 quilates. Ithamara alcança notas dificílimas e jamais desafina. E olhe que desafinar, dizem muitos, não é nada tão grave ou assustador. Muitos intérpretes, brasileiros ou não, desafinam, mas Ithamara não. Sua voz é tão extraordinária, que ela pode cantar em qualquer tom. Ela encara qualquer modulação, que, quando é ‘para cima’, então, ela sobe, sobe, sobe... e socorro! Ninguém a segura. Ela faz o que quer com seu “gogó de ouro”, alcunha mais do que justa atribuída por sua madrinha musical, Elizeth Cardoso, que a adorava. Que extensão privilegiada tem a voz de Ithamara! Meu Deus, o que é aquilo tudo!
Ithamara é adorada no mundo todo. Ela é para ser reverenciada e ponto. No entanto, as “panelinhas” da indústria fonográfica aqui no Brasil ainda não sabem disso. Se um dia souberem, pode ser tarde à beça. Lá fora, ela é idolatrada. Sabem o que é bom e não perdem tempo: contratam rapidamente. Não demora, ela viajará novamente. O mundo sempre a recebeu de braços abertos. Que luxo!













12 comentários:

  1. Atesto a veracidade das palavras de Fábio. Fui testemunha ocular e sonora da belíssima apresentação de Ithamara. Vocês não tem ideia do que ela é capaz de fazer com o instrumento (voz) dela. Foi tão bom ser chamado de Fê por Ithamara! Engrandece a nossa miudeza diante do gigantismo de sua voz!

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  2. Fê, meu querido, obrigado por dividir mais esse momento lindo comigo. Já podemos dizer que, além de fãs, somos amigos da Ithamara. Que intérprete, meu Deus! Infelizmente, as palavras não dão conta de traduzir tudo o que sentimos.
    Bjs,

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  3. Fábio põe minha foto com ela aí tb...

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  4. Três colocações:
    1- Quanta 'mitideza', professor, cheio de intimidade com gente importante como Koorax!! rs

    2- Não a conheço, mas suas palavras a respeito dela e de seu talento me deram vontade de mudar esse quadro.

    3- A música no Brasil é, antes, um meio de se produzir dinheiro, que uma forma de expressão artística e cultural.

    Abração, Fábio!

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  5. Ótimas suas ponderações, Maycon.
    Pois é, para mim, todos deveriam conhecer a Ithamara, que é fantástica
    mesmo. Você não vai perder o próximo espetáculo, vai?
    E música, aqui, virou sinônimo de "ganhar dinheiro" e mais nada. A tal da da indústria fonográfica a trata como uma caixa de sabão em pó, sei lá, como um produto qualquer. No entanto, arte tem, ou deveria ter, outro
    tratamento, não é mesmo? É um horror!
    Abração, querido.
    Fábio

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  6. "Biscoito fino" mesmo é saborear seus escritos!

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  7. Obrigado, Marta. É um luxo sua "visita" ao 'blog'. Beijão, Fábio

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  8. "Se não fosse o esquema “de cartas mais do que marcadas” da indústria fonográfica deste país, mais pessoas poderiam ter tido o privilégio de ver esse espetáculo batizado por mim de epifânico, porque revelador do sagrado, do sublime."

    Ainda bem que existem, no nosso meio, pessoas com os "olhos e ouvidos bem abertos" para nos guiar.
    É sempre um prazer ler tuas impressões grafadas para dividi-las.

    Muito obrigado, um grande abraço, Fábio.

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  9. É isso aí, amigo!
    Muito obrigado pelas observações e pela visita.
    Abração,
    Fábio

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  10. "Ithamara, que é tecnicamente perfeita, não corre esse risco: ela sabe combinar perfeitamente técnica com emoção".Bingo!
    Pois é, meu caro...eu jurava que já havia dado meu pitaco neste seu texto honesto, irretocável e reverenciando ela que simplesmente é a melhor cantora do mundo. Sempre fico boquiaberto ou embasbacado(feia a palavra) e com dificuldade de acreditar que tudo isto que " vejoeouço" nos imperdíveis shows "kooraxianos" é verdade...parece sobrehumano, embora demasiado humano.Ela só pode ter Deus na garganta, né? Fenomenal , soberana, virtuose,magistral, etc., são verbetes que não dão conta da magnitude do talento da ITHAMARAVILHA!!! Parabéns pelo seu enorme talento com as letras.Suas palavras (en)cantam, também.
    Forte abraço
    Marino Monti

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    1. Muito obrigado mesmo, Marino, pelo comentário, que me deixa muito feliz. Pois é, amigo, "Ithamaravilhosa" é alguém que está noutra esfera, não é? Depois que a ouço, minha vida muda muito. Ela "recebe Deus quando canta", não recebe? Um abração e obrigado pela "visita". Volte sempre! Sua "presença" é muito honrosa para mim.

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