quarta-feira, 4 de maio de 2011

PEDRA DE RUMO DA MPB



Nara Leão é pedra de rumo na MPB. Trouxe Bethânia e participou do início de carreira do Fagner. Gravou todos os ótimos compositores daqui e de outros países também. Quem quiser conhecer a história da MPB é só procurá-la nos discos de Nara. Está tudo ali. Ela era “fera” na escolha de repertório. Que faro! Que sensibilidade! Ninguém fez escolhas melhor que ela. Com posições políticas muito bem definidas, Nara foi guerrilheira, combativa. No jornal Última Hora, publicou um texto, É preciso não cantar, atacando os “governantes” deste país. Fez, inclusive, referências à morte do estudante Edson Luís. Bingo! Nara arrasou no texto. Que inteligência! Que poder de fogo! Outra história interessante: em 1972, ela profetizou que o festival daquele ano seria lembrado pela canção Eu quero é botar meu bloco na rua, do cachoeirense Sérgio Sampaio. Não deu outra. Por interferência de Nara, que propôs alterações nas regras do jogo, a canção esteve entre as finalistas. Ninguém enjoa de ouvir Nara. Como bem disse um amigo meu, Nara “cochicha com a gente”. E não há quem não goste de um bom e afinado cochicho. Ela está entre as grandes transgressoras. Depois de eleita a “musa da Bossa Nova”, desprezou o rótulo e foi ao morro, atrás dos mais genuínos compositores de samba, e lançou um disco genial. Sempre foi amada no Japão. Que luxo! Outro dia, peguei-me ouvindo Por um triz, de Clodo, Climério e Clésio, que está no disco Romance popular, diversas vezes: “Digamos que é querer demais / Que o laço que me prende a ti / Resista ao temporal maior (...)”. É uma de minhas preferidas, como o é Traduzir-se, poema de Gullar musicado por Fagner: “Uma parte de mim é todo mundo / Outra parte é ninguém / Fundo sem fundo (...)”. Outra canção que adoro é “Little Boxes”, de Malvina Reynolds, cuja versão é da própria Nara: “(...) Uma caixa, outra caixa, todas elas iguaizinhas / Uma verde, outra rosa e uma bem amarelinha (...) As pessoas dessas caixas vão todas pra universidade / Onde entram em caixinhas quadradinhas, iguaizinhas / Saem doutores, advogados, banqueiros de bons negócios (...)”. Dia desses, sugeri que todas as pessoas que trabalham com educação abram uma aula (ou muitas aulas!) com essa canção. “Sérgio Cabral, seu biógrafo, diz que Nara chegava às lágrimas quando cantava, na boate Cangaceiro, Funeral de um lavrador, o poema de Cabral musicado por Chico Buarque: “Esta cova em que estás / Em palmos medida / É a conta menor que tiraste em vida (...)”. Nara, se não me engano, foi uma das primeiras a gravar – em um único disco – canções de um mesmo compositor. Em 1980, ela homenageou Chico Buarque. “Com açúcar, com afeto” é um dos melhores discos de todos os tempos. Inteligentíssima (como sempre!), reuniu canções conhecidíssimas e outras praticamente esquecidas. Prevaleceram o bom gosto e o refinamento acima de tudo. Vence na vida quem diz sim, da censurada peça “Calabar”, está entre as escolhidas para esse disco: “(...) Se te babam no cangote / Mordem o decote / Se te alisam com o chicote / Olha bem pra mim / Vence na vida quem diz sim (...)”. Antes, porém, em 1978, não se importando com determinadas patrulhas, gravou “Quero que vá tudo pro inferno...”, só com canções de Roberto Carlos (a maioria da dupla Roberto/Erasmo). Entre essas canções, Além do horizonte (Roberto Carlos / Erasmo Carlos) [“Além do horizonte deve ter / Algum lugar bonito pra viver em paz (...)”] é para ser ouvida inúmeras e seguidas vezes, assim como Debaixo dos caracóis dos seus cabelos (Roberto Carlos / Erasmo Carlos): “Um dia a areia branca / Seus pés irão pisar(...)”. Ficaram extraordinárias as gravações. A delicadeza que as músicas requerem encontrou em Nara a intérprete ideal. A Música Popular Brasileira deve muito a Nara Leão. Respeito e dignidade são palavras de ordem quando o assunto é Nara, musa de todos. Musa entre as musas. Nara é eternamente moderna. 


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